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terça-feira, 27 de dezembro de 2016

o homem que sofria em silêncio

"Vi-a chegar a casa todas as noites, a despir-se perante o espelho, habituei-me a beijar-lhe as marcas do vestido cada vez que o retirava meticulosamente, ouvia-lhe os saltos a bater no soalho de madeira a cada passo em direção ao meio das minhas pernas. Decorei a maneira como ela atava o cabelo antes de nos envolvermos, da dedicação com que os dedos lhe passavam no coro cabeludo, no movimento chicote com que o balançava em modo de provocação. Li-lhe cada frase daquela bíblia proibida que me fazia ficar reto de vontade de a possuir, para que fosse minha em todos os universos. Viciei-me no cigarro que ela fumava apenas coberta em lençóis, da marca dos dentes no filtro quando se sentia mais nervosa. Privei-me da dor nos momentos em que as suas unhas criavam arte crua na minha pele e o sangue das minhas feridas me manchava a cama. Apaixonei-me por todas as marcas que o amor que fazíamos criavam. Mas ela foi-se embora sem despedidas. Deixou algumas beatas mal apagadas no cinzeiro do quarto e fechou a porta, deixando as chaves em cima da mesa, sem sequer olhar para trás, sem sequer saber que me lembro de cada movimento automático que ela fazia, sem saber que morro todos os dias por não a ver chegar a casa."

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